terça-feira, 14 de abril de 2009

Evangelho segundo quem estuda

Este sentimento de irresponsabilidade que um pouco injustamente me assalta sempre que me decido a utilizar com fervor os lúdicos e prazeirosos recursos da vida cosmopolita. Porque depois parece sempre que foi tempo utilizado com leviandade por quem se redescobre diariamente afogado em trabalho.

Cria-se então esta curiosa dualidade de consciências, de opiniões, de tendências interiores, que simultaneamente me impele para o regozijo desses pequenos momentos, em busca da sanidade perdida durante os dias laboriosos, e me critica pelos afazeres em atraso, pelas pilhas de folhas, pelos telefonemas que urgem ser feitos, pelas múltiplas tarefas ainda por empreender.

E, assim, porque o tempo é meu para ser gerido, não pode cair a culpa de tais dissonâncias noutra pessoa ou entidade que não em mim. E agora que me esforço por virar as páginas bíblicas do Tratado de Medicina Interna encontro aquela satisfaçãozinha intelectual de estar a cultivar o trabalhoso jardim do conhecimento, com o meu pequeno ancinho de aprendiz, revirando cuidadosamente este vasto solo. Já sei que o programa nocturno se dissipa em cada página virada. Cada linha escrita me demonstra que algures num local ainda a designar, entre as várias pessoas sentadas e sorridentes que escutam musicalidades diversas, não estarei eu.

Acho que me imagino já cabeceando sobre as microscópicas letras que se empacotam, vendo talvez uma ligeira ondulação hipnotizante onde antes existiam linhas rectilíneas e metódicas. E amanhã vai provavelmente parecer que deveria ter estado naquela cadeira de estofo roído, recebendo nos ouvidos uma atmosfera de gargalhadas e música, feliz como se não houvesse na vida outro sentido que não o da diversão.

1 comentário:

messy disse...

Prémio pra tu lá no sítio de eu ;) ;) *

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Porque apesar de publicares pouco, gosto do que se passa por aqui!

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