quinta-feira, 26 de julho de 2012

Uma história na noite

Saio de casa, metade da noite já volvida, num passo acelerado mas silencioso, saltitando longe dos focos de luz dos candeeiros da rua. Peço por tudo para passar despercebida, ser só mais uma sombra entre tantas outras.
Quase me esqueci de ti, quase. Mas a noite nunca me deixa repousar o coração. Chega de mansinho e relembra-me. Estás no ar quente do entardecer, no ténue luar, no ruído abafado da cidade. Dou por mim a precisar de espairecer, mais uma vez. É por isso que saio incógnita e apressada, deixando estupefactos os poucos transeuntes noctívagos, os vagabundos tristes e os boémios das horas mortas.
Soubesses tu onde estou e preocupavas-te. Franzias a testa e cerravas o olhar. Usavas a tua voz pausada e grave, na modalidade especial que usas para os conselhos ponderados e para os sermões.

Provavelmente acenarias negativamente em jeito de desabafo quando eu insistisse no meu devaneio nocturno. Mesmo que te explicasse que só assim me foges da ideia, com o ar frio e ligeiramente húmido da noite a cercar-me toda, provavelmente não entenderias. Porque não há ciência nisso, Sofia, nem lógica, nem fio de novelo que me faça compreender a relação entre o frio da noite e a amnésia selectiva. E eu persistiria, já numa corrida mental e literal pela calçada, os olhos marejados (da emoção ou do frio, pouco interessa) à procura do maravilhoso portal do esquecimento. Talvez na próxima esquina se cale a tua voz na minha cabeça, a tua mão no meu flanco ou os teus lábios no meu ombro.
O que não tem solução, dizem, está solucionado. Tardo em compreender realmente, de alma cheia, esta máxima desapaixonada. Para mim a solução era estares aqui e nenhuma outra me serve, para já. Tudo o resto apenas atenua a saudade, bálsamo fresco na pele dorida.