Mal a porta se entreabre e eu já sei que estás em casa - a luz acesa do quarto, o cheiro a chá quente e a música que toca baixinho preenchem-me os sentidos e denunciam a tua doce e voluptuosa presença.
Chego a demorar mais minutos do que necessário só para não parar de te imaginar. Talvez a água do banho esteja a correr ou a porta da varanda aberta ou o livro que te comprei preguiçosamente pousado na colcha enquanto dormes o sono das sete da tarde.
Esta casa era minha até tu apareceres. Até te apoderares dela com a subtileza de um raio de luar. Tudo é teu, agora, desde a soleira da porta até cada pormenor de cada divisão.
Estou, assim, embriagada de ti quando apareces e me abraças, vindo não sei bem de onde, para concretizar os meus pensamentos. Sinto-te e sinto a derradeira verdade do amor - já nada aqui ou em mim me pertence completamente.
sábado, 16 de junho de 2012
quarta-feira, 13 de junho de 2012
A vida e o instante
A ti que te vi nascer, por condicionantes da profissão e da circunstância, coube-te na roleta sádica do destino sofrer desde o primeiro segundo.
A primeira e ténue inspiração e o batimento solto do coração doente deram a todos naquela a sala a ilusão de que viverias mais do que umas curtas horas.
Apercebo-me, mais uma vez, de que nada sei sobre o sofrimento e a perda porque a tua mãe, de olhos bem abertos, testemunhou o teu pequenino sopro de vida a desaparecer e nem murmurou uma palavra. Mesmo antes, quando ainda aguardava o momento do teu nascimento, os olhos vidrados e a face inexpressiva perante a probabilidade da tragédia, não lhe ouvi a voz. Ainda assim, tudo naquela sala era ensurdecedor.
E depois, cá fora, a vida continuava. Aliás, muitas novas vidas começavam.
O instante que demoro a escrever isto foi a tua vida inteira. Não tiveste outra oportunidade. Nasceste e acabou tudo, sem segunda hipótese, sem um aconchego ou um beijo.
Inútil ignóbil roleta do destino.
O mundo segue enquanto duas vidas terminam, uma delas na tortura de te ter sobrevivido.
Adeus.
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